Morreu aos 70 anos, Luis Sepúlveda, escritor chileno, um dos grandes nomes da literatura, vítima de infeção pelo coronavírus. Romancista, realizador,
jornalista e ativista político chileno, deixa-nos uma vasta obra literária, um
“exercício de memória”, onde a fábula, melhor género para conhecer o ser humano
“à distância”, como dizia, se convertia num pretexto para se debruçar
sobre as personagens que foi conhecendo ao longo da vida. Foi um verdadeiro contador de histórias. Para ele, a
escrita era sempre parte do presente do autor.
Recordemos um excerto da "História da gaivota
e do gato que a ensinou a voar", de Luis Sepúlveda.
“Do campanário de São Miguel via-se toda a cidade. A chuva envolvia a torre da
televisão e, no porto, as gruas pareciam animais em repouso.
- Olha, ali vê-se o bazar do Harry. Estão ali os nossos amigos - miou Zorbas.
- Tenho
medo! Mamã! - grasnou Ditosa.
Zorbas saltou para o varandim que
protegia o campanário. Lá em baixo os automóveis moviam-se como insetos
de olhos brilhantes. O humano colocou a gaivota nas mãos.
- Não!
Tenho medo! Zorbas! Zorbas! -
grasnou ela dando bicadas nas mãos do humano.
- Espera! Deixa-a no varandim - miou Zorbas.
- Não estava a pensar atirá-la - disse
o humano.
- Vais voar, Ditosa. Respira. Sente a
chuva. É água. Na tua vida terás muitos motivos para ser feliz, um deles chama-se água, outro chama-se vento, outro chama-se sol e chega sempre como recompensa depois da chuva. Sente a
chuva. Abre as asas - miou Zorbas.
A gaivota estendeu as asas. Os projetores banhavam-na de luz e a chuva salpicava-lhe as penas de pérolas. O humano e o gato viram-na erguer a cabeça de olhos
fechados.
- A chuva, a água. Gosto! - grasnou.
- Vais
voar - miou Zorbas.
- Gosto de ti. És um gato muito bom - grasnou ela aproximando-se da beira do varandim.
- Vais voar. Todo o céu
será teu - miou Zorba”
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